O Ministério da Saúde perdeu 56 milhões de pílulas anticoncepcionais que venceram em março. Os produtos foram comprados na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e estavam estocados desde 2021.
Os dados de insumos da pasta estão sob sigilo desde 2018, e seguem assim por decisão do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As informações obtidas pela Folha de S.Paulo indicam que lotes com mais 60 milhões de comprimidos ainda podem perder a validade de abril a junho.
Indicado para evitar a gravidez e usado em tratamentos de quadros como o da síndrome do ovário policístico, o contraceptivo dos lotes vencidos é administrado via oral e combina dois hormônios, o etinilestradiol e o levonorgestrel.
Em nota, a Saúde afirma que o acúmulo de anticoncepcionais é resultado da menor procura nos últimos anos devido à pandemia. "Aliada à falta de articulação com os estados por parte da gestão passada, que não priorizava a pauta dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres", disse ainda a pasta.
O ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga (no cargo entre março de 2021 e dezembro de 2022) disse que o governo Bolsonaro incentivava o uso de anticoncepcionais e que a demanda por entrega do produto chega a partir de estados e municípios.
"Óbvio que não é procedente essa afirmativa de que o governo anterior não estimulou o uso de contraceptivos orais. A gestão do SUS é tripartite, portanto a indicação de uso de contraceptivos orais é feita pelos médicos dos estados e municípios", disse o ex-ministro.
"Ao contrário do que dizem, entendemos que o planejamento familiar deve ser feito recorrendo-se aos métodos contraceptivos, em vez de se estimular o aborto", completou Queiroga.
A Saúde não confirma os dados de estoques de medicamentos ou de valores dos produtos. Isso porque desde 2018 o governo federal coloca sob sigilo a relação de produtos armazenados.
O período em que os dados ficam sob reserva chegou a ser de cinco anos, caiu para dois durante a gestão Bolsonaro e, sob Lula, foi reduzido para um ano. Ou seja, apenas em abril de 2024 será possível conhecer o que está hoje no estoque da Saúde.
No novo termo de classificação da informação que manteve escondida a relação de produtos do SUS, assinado em março, a Saúde afirma que divulgar os dados pode oferecer risco à estabilidade financeira do país e ameaçar a vida, a segurança e a saúde da população.
Segundo a pasta, se o nível de estoque dos produtos fosse divulgado em tempo real, as empresas poderiam reduzir ou elevar os preços dos medicamentos.
Além disso, a Saúde disse que a informação poderia colocar em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares. Por isso, governo Lula decidiu abrir o sigilo apenas de estoques de produtos vencidos e incinerados.
Como revelou a Folha, o Ministério da Saúde perdeu cerca de R$ 2,2 bilhões em medicamentos, vacinas, canetas de insulinas, testes e outros produtos desde 2019. Nesse período venceram ao menos 39 milhões de imunizantes contra a Covid.
Depois da revelação do estoque perdido, o deputado federal Daniel Soranz (PSD-RJ) visitou o almoxarifado do Ministério da Saúde, em Guarulhos (SP), no último dia 14.
Em relatório apresentado à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, Soranz afirma que "é evidente a falta de organização e articulação entre os processos de compras, logística e as necessidades da população".
O deputado ainda sugeriu, entre outros pontos, que os dados do estoque sejam apresentados em um portal público.
Segundo o relatório do deputado, há 1,4 bilhão de itens estocados no almoxarifado.
"Tem muito medicamento para vencer. Fica evidente a total desorganização e destruição das áreas técnicas do ministério nos processos de compra, compra-se em grande quantidade, muitas vezes sem saber para onde vai distribuir", disse o Soranz.
A ministra Nísia Trindade disse a deputados na quarta-feira (19) que a Saúde está avaliando a divulgação de mais dados sobre o estoque.
"Havia alguns apontamentos que, no caso de estoques de alguns medicamentos, isso poderia ser utilizado até para forçar alguma carência, falta de medicamentos. Como houve apontamento nesse sentido, estamos fazendo avaliação, mas é perfeitamente possível dar acesso", disse.
Em nota, a Saúde disse que está empenhada em fortalecer políticas de atenção à saúde da mulher. "Com foco nas estratégias de promoção da saúde e na garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, assim como assegurar a assistência de qualidade na rede pública, incluindo o acesso a métodos contraceptivos e orientações sobre os diversos tipos de métodos e o que melhor se adeque à escolha individual de cada um", disse a Saúde.
A pasta afirma que conversa com gestores de estados e municípios e empresas para evitar novos desperdícios de insumos, com prioridade para a entrega do estoque de validade curta.
"A pasta dialoga com laboratórios fabricantes para utilizar, quando possível, cartas de compromisso de troca como medida emergencial para evitar a perda de insumos fundamentais à prestação de serviços em saúde. Com isso, as empresas poderão retirar os medicamentos do armazenamento, efetuar a substituição e dar a destinação final adequada sem ônus à administração pública".