Com o desafio de retratar uma história genuinamente brasileira, o jogo Entre as Estrelas, ambientado no bioma Pantanal, é roteirizado por indígenas de Mato Grosso do Sul.
Baseado em histórias das etnias kadiwéu e guarani-kaiowá, as roteiristas Graciela Guarani e Daniela Jorge João, ambas da etnia guarani-kaiowá, fazem parte da equipe de produção da Split Studio, que desenvolve o game na cidade de São Paulo.
A assistente de roteiro do jogo, Daniela Jorge João, é estudante do curso de Audiovisual da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e historiadora. Ela vive na Terra Indígena Panambi – Lagoa Rica, no município de Douradina.
Em entrevista ao Correio do Estado, Daniela contou que entrou no projeto por meio da indicação de seus professores da universidade.
Fiquei sabendo do projeto por meio da coordenação do meu curso de animação e logo fiz a inscrição para participar. Olhei o Instagram do jogo e comecei a amar a ideia, porque gosto muito de animação. Foram os meus professores que abriram as portas para eu conhecer o jogo”, disse Daniela.
O game conta a história das irmãs Ari e Tai, e o jogador controla Tai, que está em busca de sua irmã mais nova, dada como desaparecida após um ataque à sua comunidade indígena.
A história passará por diversos ambientes do Pantanal, além de apresentar um maravilhoso e épico mundo espiritual.
“O enredo é baseado em uma história da etnia kadiwéu que é parecida com outra da [etnia] kaiowá. Ir atrás de um enredo, sentar com a anciã da aldeia e saber da história para mim é sensacional”, declarou Daniela Jorge.
A roteirista também conta que o jogo fala sobre espíritos da floresta e sua relação com o povo indígena.
“O jogo também fala de animais que foram queimados nos incêndios do Pantanal, mas o espírito deles permanece na natureza. O jogo é bem especial e importante para indígenas e não indígenas”, destacou.
Da etnia guarani-kaiowá, a chefe de roteiro e cineasta Graciela Guarani, que trabalha com criação visual há mais de 20 anos, é uma das mulheres indígenas mais atuantes na área do cinema no Brasil.
O convite para participar desse projeto chegou, e ela, conhecendo mais a intenção do jogo, topou o convite para ajudar no desenvolvimento da história, que permeia os desafios enfrentados pelas duas irmãs.
Graciela relatou que o que chamou mais sua atenção no jogo foi a ambientação da história, que se passa em Mato Grosso do Sul.
“O jogo tem uma criação livre inspirada nos povos indígenas kadiwéu e também kaiowá, em que serão abordados aspectos visuais de grafismos. Mas o ponto forte mesmo se trata do aspecto social que se encontra em muitos povos da região, que a todo momento estão lutando para sobreviver em meio às ameaças a seus territórios e a suas vidas”, declarou Graciela.
Questionada sobre a importância do jogo na comunidade indígena de MS, Graciela disse que ele pode servir de alerta para as questões pelas quais os povos indígenas passam.
“O jogo pode servir como um alerta à população para a sobrevivência dos povos que vivem em MS. Trata-se de uma narrativa fictícia, porém, com base em acontecimentos e realidades da região”, afirmou a cineasta.
“Mais do que falar sobre a cultura, o jogo tem o objetivo de enfocar as vidas das pessoas dessas comunidades, que merecem viver como quaisquer outras neste lugar, com seus costumes e espiritualidade, sem que sejam atacadas por violências, sejam elas físicas, verbais ou de qualquer natureza de ódio”, complementou Graciela.
DESENVOLVIMENTO
Segundo o diretor da Split Studio, Guille Hiertz, a ideia de contar uma história brasileira surgiu em uma análise que indicou que os jogadores brasileiros se interessam bastante pelas histórias de culturas estrangeiras, como as de samurais, da Idade Média e de vikings.
A Split Studio, observando isso, resolveu inverter a lógica e investir nas histórias do povo local.
“Creio eu, se quisermos competir internacionalmente, precisamos primeiro ser especialistas em contar as histórias do Brasil. São muitas histórias incríveis não contadas, formas de ser e viver, lendas e mitos que o mundo desconhece. É um terreno muito fértil e praticamente inexplorado”, declarou Guille Hiertz, ao Correio do Estado.
Hiertz ainda acrescentou que, entre as referências para o desenvolvimento do jogo, os protagonistas são os povos originários que habitam o Pantanal.
“São eles que estão na linha de frente contra o desmatamento. Queremos ajudar nessa luta. Além disso, usamos várias referências do audiovisual como um todo, por exemplo: Ori and the Blind Forest [jogo], Limbo [jogo] e Labirinto do Fauno [filme]”, reiterou o diretor da Split Studio.
CAMPANHA
Além da campanha de financiamento coletivo para desenvolvimento do game, iniciada no dia 2 de janeiro e que segue até o dia 27 de fevereiro, o jogo Entre as Estrelas vai repassar 15% da verba arrecadada para associações indígenas, como Associação Jovens Indígenas (AJI), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
De acordo com Guille Hiertz, a Split Studio procura colaborar não só com doações diretas, mas com capacitação e profissionalização de jovens para o mercado de games e animação.
“Por indicação da própria Graciela, queremos colaborar com a Associação Jovens Indígenas para a formação de jovens talentos para o mercado audiovisual. Foi a AJI que a introduziu para o mundo do audiovisual, e, por si só, isso já prova a importância desse tipo de iniciativa para a indústria cultural brasileira”, concluiu Hiertz.
Saiba: O jogo está em processo de campanha de financiamento coletivo, para conseguir arrecadar os valores para ser lançado em 2025. Para contribuir com qualquer valor ao desenvolvimento do jogo, acesse