O governo federal vai usar R$ 23 bilhões esquecidos por trabalhadores em ativos do Fundo PIS/Pasep no Orçamento da União deste ano. A incorporação desses recursos, que estão parados sem que haja reclamação por parte de seus beneficiários, foi autorizada pelo Congresso por meio da PEC do estouro, aprovada no fim de 2022.
A medida faz parte do pacote de ações anunciado na semana passada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para a recuperação fiscal das contas públicas deste ano.
Para o defensor nacional de direitos humanos André Porciúncula, da DPU (Defensoria Pública da União), a medida é prejudicial ao trabalhador que tem direito ao benefício. Segundo a Caixa Econômica Federal, estão disponíveis R$ 24,8 bilhões para 10,5 milhões de trabalhadores com saldo em contas do Fundo PIS/Pasep.
"Vamos tentar diálogo com governo e, na ausência de uma solução efetiva, cada pessoa tem direito de judicializar uma ação particular, como também a Defensoria deve entrar com ação coletiva para questionar isso no Poder Judiciário", afirma Porciúncula.
O valor das cotas do PIS/Pasep havia sido liberado em 2019 para quem trabalhou com carteira assinada na iniciativa privada ou atuou como servidor público entre 1971 e 4 de outubro de 1988. O dinheiro estava disponível para titulares das contas ou seus dependentes.
Em 2020, o Fundo PIS/Pasep foi extinto, e seu patrimônio, transferido para o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), mas foram mantidas as contas individuais e a sua livre movimentação a qualquer tempo, até 1º de junho de 2025.
No ano passado, a Defensoria Pública da União encaminhou ofício à Caixa Econômica Federal com várias recomendações e pedidos para que fosse dada ampla publicidade ao direito de sacar esse valor, porque muitas pessoas nem sequer sabiam da existência, da extinção e da migração para o FGTS.
O fundo foi criado para o trabalhador. A partir do momento que é migrado para o FGTS e a Caixa não dá ampla publicidade do direito de resgatar isso, e, em última análise, o governo, por causa da concentração desse valor, incorpora isso à receita primária, é evidente que o trabalhador deixa de fazer uso de um recurso que lhe pertence. O prejuízo é nítido.
ANDRÉ PORCIÚNCULA, DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
Ele explica que já tinha uma previsão de incorporação desse valor ao patrimônio da União, na hipótese de não haver saques pelo período de três anos.
"Acretido que o governo, diante do déficit fiscal, da necessidade de maior arrecadação, está querendo usar esse valor, que é de titularidade do trabalhador. A Defensoria vai estudar como dialogar com o governo. Fizemos diálogos bem grandes de várias temáticas na transição. Acho que é um ponto que pode ser considerado. Em última análise, caso não seja possível, se de fato houver conversão em ato normativo, terá a judicialização, com ação coletiva para tentar reaver esse valor, que, de fato, é do trabalhador", acrescenta o defensor.
O advogado especialista em direito tributário Alessandro Spilborghs, professor do Meu Curso Educacional, afirma que o valor das cotas consideradas abandonadas deveria ser destinado à finalidade para a qual foi arrecadado, como saúde, assistência ou previdência social.
"Não se trata, portanto, de um cheque em branco assinado e que pode ser utilizado para qualquer iniciativa, pois na origem os valores foram arrecadados com a justificativa de financiar a seguridade social", afirma Spilborghs.
Ele avalia que, quanto ao “furo” no teto de gastos, o governo agiu com habilidade, pois esses valores já não integravam os gastos previstos. Contudo, precisa ser assegurado ao trabalhador que tem direito a esses valores o seu ressarcimento, especialmente pela via judicial.
"A própria PEC prevê o prazo para ressarcimento em cinco anos a partir do encerramento da conta do trabalhador. Essas contas no banco ainda existem, mas, a partir do momento em que o governo 'retirar' o dinheiro, elas serão encerradas. Aí começa a contar o prazo de cinco anos", explica o especialista em direito tributário.
O advogado Washington Barbosa, mestre em direito das relações sociais e trabalhistas, explica que, para o governo utilizar o dinheiro, deverá ser publicada no Diário Oficial da União a lista das contas, e os beneficiários terão prazo de 60 dias. Se, após esse período, não forem reclamados esses valores, isso será incorporado pelo governo federal.
"Eu entendo que se trata de uma apropriação indébita, ou seja, o governo vai assumir para si um dinheiro que não é dele e vai incorporar isso ao seu patrimônio. Por isso que fizeram uma PEC (proposta de emenda constitucional) que já foi aprovada e promulgada para permitir isso. Existe, sim, prejuízo ao trabalhador. É dinheiro que ele não terá mais. Mesmo para pessoas que já faleceram, esse dinheiro é direito de seus familiares, filhos e descendentes", avalia Barbosa.
Segundo a Caixa, os titulares dos 10,5 milhões de contas disponíveis podem solicitar o saque dos valores, a qualquer momento, de maneira 100% digital, pelo aplicativo FGTS, ou ainda por meio de uma agência do banco. Também pelo aplicativo, o titular pode indicar uma conta bancária de qualquer instituição financeira para o recebimento dos valores.
Para consultar o saldo da conta do FGTS originada pela migração do PIS/Pasep, o cidadão pode acessar o aplicativo do FGTS, ver o saldo nas agências da Caixa ou utilizar o internet banking da Caixa.
Em caso de trabalhador falecido, o beneficiário legal pode acessar o próprio App FGTS e solicitar o saque na opção "Meus saques", depois "Outras situações de saque" e, em seguida, escolher a opção "PIS/Pasep — Falecimento do trabalhador".