Orlando Añez Michel, 58 anos, é um boliviano natural de Santa Cruz de La Sierra que está no Brasil há mais ou menos 16 anos. Mecânico de automóvel “de mão cheia” - como diziam os antigos – ele tem uma particularidade: não sabe dirigir automóvel. Em Água Clara há seis anos, trabalha na Oficina do Galego, e tem uma clientela que não abre mão de consertar o seu veículo com ele.
Quanto ao fato de não guiar, diz que isso nunca interferiu no desempenho de seu trabalho. “Profissional não precisa dirigir o carro para saber o problema; ele pode ‘montar’ no automóvel junto com o motorista e descobrir o defeito do mesmo jeito”, diz, com o seu sotaque ainda carregado, inclusive, com algumas palavras do seu idioma misturado com o português. O certo é que nunca deixou de descobrir o problema por esse motivo. Pelo menos é o que garante.
O mecânico recorda-se de quando o ‘professor’ e dono da oficina em que começou a trabalhar sempre advertia: “você não pode entrar num carro de qualquer maneira”. Também o teria orientado a nunca dirigir o carro do freguês. “Se o dono der autorização, você tem que estar limpo, principalmente os pés e as mãos”, diz. Talvez por conta disto, tenha sempre evitado aprender a dirigir. Mas garante que não terá dificuldade em conduzir o seu próprio automóvel. Quando adquiri-lo. Aliás, revela que já teve vários carros – mas não os dirigia - e também várias mulheres, com as quais teve 16 filhos.
Questionado sobre a especialidade do seu serviço, não hesita em responder que é mecânico de motores a gasolina, a diesel, também de câmbio, de diferencial e de reduzida. Tanto de carros nacionais quanto importados como, por exemplo, os da marca Toyota, Nissan e Mitsubishi. Por enquanto, só não meche com câmbio automático, por não ter as ferramentas apropriadas que, segundo ele, são caríssimas.
Atualmente, o único veículo que pilota é a bicicleta e quando tem que viajar, prefere ir de ônibus.
Trauma
“Bolívia” não dirige carro, mas já pilotou motocicleta. E, pelo que conta, não era nada prudente. “Eu era louco”, relata, afirmando que certa vez chegou a pensar em jogar a moto que pilotava embaixo de uma carreta para atravessar do outro lado, como em alguns filmes. Só parou com suas aventuras sobre duas rodas porque teve um acidente quando tinha 18 anos de idade. Saturado de serviço na oficina mecânica em que trabalhava, sempre precisava fazer ‘correria’ com sua Ninja de mil cilindradas.
Certo dia, por volta de uma hora da manha, com um primo na garupa, seguia numa subida a uns 80 quilômetros por hora atrás de um ônibus que começou a dar ré. Para não entrar embaixo do ‘busão’, jogou a moto contra o pneu do veículo. Foi quando seu primo caiu na calçada, vindo a perfurar o pulmão e quebrar três costelas, entre outras lesões. Passados de três a quatro meses, o rapaz morreu de infecção hospitalar, apesar dos esforços de “Bolívia” para salvá-lo. Além da moto, ele diz ter vendido duas casas e também terrenos, além de outros bens. Desde então, nunca mais andou de moto. Nem na agrupa. Quando tem que pegar mototaxi, não o faz, preferindo ir à pé. Apesar disso, afirma que o fato de não dirigir automóveis nada tem nada a ver com o acidente.